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Olhos Azuis

A primeira coisa que deve ser dita sobre Olhos Azuis: é um filme destemido. Há uma Verdade que perpassa suas histórias e se apresenta ao longo de todo o filme sem nenhum vestígio de hesitação, forte e pungente.

A trama se desenvolve através de dois principais fragmentos, um se passa no departamento de imigração americana, outro no Nordeste brasileiro. À medida que a relação entre estes fragmentos torna-se mais clara, maior é a aflição que nos atinge, não queremos enxergar o final que se aproxima. No entanto, é inevitável, o clímax se instala, os fragmentos se encontram, porém o ritmo tenso que os conduz, não se satisfaz, persevera, somos abandonados em meio a ele. O filme acaba e não tem fim.

O grande mérito de Olhos Azuis é este, sua relevância que ultrapassa a sala de cinema. Pode-se falar sobre muitos aspectos incríveis do filme, as atuações brilhantes, o roteiro impecável, fotografia…É um trabalho primoroso. Mas o que realmente engrandece todas estas ações é a relevância desse cinema destemido.

A Verdade que para muitos parece ousadia expor, Olhos Azuis escancara com a honestidade de quem não suporta mais rebaixar-se a reivindicações comedidas.

Ter coragem não deveria ser um motivo de honra, mas em tempos de relativismo e cinismo, é muito mais do que isso.

Entrando em pormenores, Olhos Azuis é um filme com um viés político explícito, no qual os paradoxos do um mundo neo-liberal – em que as relações de poder se dão de forma extremamente injustas, impossibilitando, então, a existência de uma liberdade propriamente dita – são apresentados com suas reais amarguras.

O embate entre olhos negros e olhos azuis é resultado da história de homens condicionados à História. Não há condições naturais ou determinismos, tudo é construção histórica. Marshall (David Rasche), o olhos azuis, carrega em si a paranóia, o individualismo, a arrogância e um patriotismo tipicamente americanos, porém, o ser americano não se trata de uma condição natural, impassível de mudança, é uma condição histórica, logo, em contínuo processo. Bia (Cristina Lago), é outra personagem que representa uma condição típica, é a puta brasileira, mais do que brasileira, nordestina, marcada pelas intransigentes raízes do Sertão. Confesso que tal personagem era a mais problemática para mim, temia que tal estereótipo fosse apresentado superficialmente, porém Bia cresce belamente ao longo da trama, as cenas de sua volta ao Sertão apertam a garganta e dilaceram as feridas ainda não curadas.

O clímax de Olhos Azuis pode ser representado por uma imagem, a veia dilatada de Nonato (Irandhir Santos)*. A revolta deste personagem é perturbadora, porque é um grito de realidade em meio a um jogo de consentimentos, no qual, os subordinados aceitam as regras em nome de uma liberdade que nunca deveria ser requisitada. Neonato é um corpo que sofre. Ele treme, chora, sua veia dilata, a injustiça que sente vai além, ela está impregnada em suas raízes, no seu povo, na História. Ele vai até as últimas instâncias, no filme é herói, na vida real seria, provavelmente, um imprudente. Ser destemido em tempos de liberdades relativas é imprudência, falta de limite.

Porém, como já foi dito, Olhos Azuis vai além das terríveis conjunturas de nosso tempo. A tensão que pulsa através da trama é História e as injustiças atreladas a essa construção que definham as liberdades individuais. A História da ascensão capitalista da supremacia americana é a História da vida humana impedida, diminuída, controlada.

Voltamos, então, a relevância de Olhos Azuis. O que o torna importante é seu compromisso com os homens, com suas histórias individuais condicionadas e fadadas, em geral injustamente, pela História. Não há consolo após essas imagens. Há orgulho, de um filme nacional executado perfeitamente com um tema de extrema importância global, e a esperança de que pelo menos a arte seja capaz de expor o que a realidade de simulacros nos persuade a ignorar.

Olhos Azuis é o cinema como instrumento de choque, de imersão em outras experiências, para a construção de consciência de nossa própria história.

Estréia sexta-feira dia 28 de maio!

* Sobre a veia de Nonato e Olhos Azuis, o excelente texto de Rafael Zacca.

Taís Bravo

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As Melhores Coisas do Mundo

As Melhores Coisas do Mundo talvez seja um alívio para os jovens e um tapa na cara para os pais. Para mim, nem adulta, nem adolescente, é uma estranha mistura dos dois.

É difícil abordar a adolescência, um tema extremamente passível a clichês, Laís Bodanzky consegue fugir desses com maestria. As Melhores Coisas do Mundo flui e convence . O longa demonstra a adolescência como um período decisivo. É nesse tempo que somos apresentado a liberdade e isso nos conduz, imediatamente, à angustia. É uma fase de solidão, na qual não conhecemos nem a nós mesmos, justamente por estarmos ainda nos formando. Essa solidão une-se a pressão social e pronto, temos uma possibilidade infinita de dramas pessoais. Dramas na maioria das vezes subestimados.

A pressão da sociedade complica este processo já complexo, pelo seu caráter reacionário e repressor. As relações sociais de um colégio são espelho da realidade em que vivemos. Hoje, aos vinte anos, tenho certeza que o colégio, a adolescência, pode ser superada, transformada, mas nunca se termina. O que somos quando jovens define os seres humanos que seremos. É injusto, porque com 15 anos ainda somos inseguros e confusos demais para respondermos completamente por nossas ações, no entanto, é assim que é a vida, somos inevitavelmente responsáveis.

Acredito que este é o período da vida em que sentimos mais intensamente o quão solitária e absurda é a experiência de estar vivo, mas nem todos vivenciam isto. Muitos jovens, ao consumir e reproduzir o sistema cruel que impera em nossa sociedade, passam por este período as cegas, não produzem, não refletem e se desperdiçam em uma existência banal e vazia. A sociedade deseja essas vivências, os jovens têm o poder de desconstruir o mundo de forma revolucionária, de questionar mais livremente e potencialmente do que adultos. Um mundo atual instaura uma ordem infértil, transforma homens em consumidores, limitamos nossas vidas ao senso comum, nossa honra e nosso prazer a obter status (e status se adquiri através de dinheiro). A liberdade que subitamente descobrimos na adolescência é decepada nessa sociedade. Condena-se os diferentes, os bons são a maioria e não se pode aceitar quem não se adequa a esta.

 

Apesar de abordar a violência e a mesquinharia em que as relações sociais se estabelecem atualmente, o longa é leve. Há humor e amor, para uma menina de classe média como eu, é impossível não reagir a cena da festa de 15 anos, ao ridículo daquelas situações, as suas diversões agridoces. O colégio também é filmado de maneira extraordinária, a câmera dá vida aquele espaço, nos permite sentir suas relações e vivências. Os grandes planos da saída da escola, os intervalos, as salas de aula e os closes nos alunos, a individualidade em meio a imensidão coletiva. O ambiente escolar está representado ali com seu paraíso e seu inferno, as aulas enfadonhas, as fofocas, as garotas populares, os excluídos e os momentos simples que se tornam grandes memórias, como passar a tarde deitada no pátio com as amigas ou ouvir um amigo tocando violão. A seqüência em que a câmera expõe a quantidade de informação digital presente na rotina desses jovens também é genial, o filme tem essa característica, apresenta o que é ser adolescente atualmente, não ignora, pelo contrário, enfatiza a revolução que a tecnologia provocou nas relações sociais (revolução que poderia ser ótima, mas que cada vez mais é utilizada para produzir merda). As imagens possuem um discurso muito importante em As Melhores Coisas do Mundo, elas nos permitem estar vivendo com esses jovens, além disso, o tornam bastante bonito esteticamente.

 O filme de Laís Bodanzky é confortador para mim, porque sempre pensei que alguém deveria demonstrar essa realidade. É um absurdo a maneira como os jovens são retratados na dramaturgia – ou são patéticos tomando rodadas de suco e orientando suas vidas a partir do objetivo de pegar tal cara, ou são porra locas consumindo drogas e se prostituindo aos 13 anos. Nem todo mundo era junk bitch, a maioria de nós descobriu o álcool nas tão aclamadas e nobres festas de 15 anos e aprendeu a xingar na escola. Os adultos ignoram, na maior parte do tempo, o que os jovens vivenciam, são descobertas, escolhas, corações apertados, pressões e um mundo cada vez mais complicado para se viver. Assistindo ao longa, senti que alguém conseguiu entender o que acontece nessa fase e soube reproduzi-la brilhantemente. As Melhores Coisas do Mundo com certeza será um filme que alguns jovens tomaram como amigo e espero que seja um alerta para os adultos.

Os atores também merecem destaque. Bem difícil ver um filme com atores jovens sem atuações constrangedoras. Francisco Miguez tem carisma e talento, consegue dar vazão tanto à potência cômica, quanto a dramática do seu personagem, Mano, garoto de 15 anos, virgem, meio loser que precisa lidar com a tensa separação dos pais. Ele é o típico garoto de bom caráter que se perde em meio a um grupo, é inseguro demais e isto o impede de assumir sua individualidade, de transformar em ação suas opiniões – precisa levar muita porrada (inclusive literalmente) para adquirir confiança. Fiuk também faz um bom trabalho, tem um personagem interessante (muito diferente do que eu esperava). Pedro é um personagem que tem segurança nos seus ideais e enxerga o que há de errado no mundo, no entanto, toda sua sensibilidade às vezes se perde em egocentrismo e arrogância, sua raiva ao mundo perde o controle e direciona-se as pessoas e atitudes erradas. A mãe de Mano, vivida com excelência por Denise Fraga, é talvez meu personagem preferido, forte e virtuosa, nos mostra o quão difícil é ser uma boa mãe. Esse personagem enfatiza a questão da ética e a realidade, na qual essa não cabe mais, é ignorada, desrespeitada. Como o simples e genial diálogo entre mãe e filho expõe:

– Isso é antiético.

– Antiético, mãe? Mundo real, né?

 Gabriela Rocha é outra atriz adorável, sua personagem, Carol, é fantástica, uma garota que consegue proteger sua identidade em meio ao caos, autêntica e sonhadora sem se perder da realidade, é para mim a heroína da história. Caio Blat e Paulo Vilhena vivem professores na trama, o primeiro de física o outro de música, são os que estão mais atentos a realidade dos jovens e assumem a missão de serem companheiros desses, encaminharem a luz no fim do túnel, injetarem força e esperança. O personagem de Blat expõe que o ambiente escolar é árduo não só para os alunos, professores sofrem muito, pela impotência que muitas vezes sentem diante de algumas situações, pela maldade dos alunos, por coordenações e suas regras hipócritas. Já Paulo Vilhena é professor de música, exprime a importância da arte para esses jovens, a música, o teatro, a poesia é mais do que um escape, é um meio de se expressar, compartilhar as angustias e dar um sentido as suas existências. Mano e Pedro, vivem aspirações artísticas, o segundo refugia a sua dor nela, é talentoso e bem sucedido em suas ações, enquanto Mano vivi na arte mais uma relação conflituosa, demora um tempo até seu violão afinar, até suas intenções se tornarem honestas e arte ter valor em si mesma, não mais em um meio de comer a gostosinha.

Tive uma empatia instantânea com o filme, pois ele retrata a adolescência que eu experimentei. Estudei em um colégio igual a aquele, com tipos similares, festas, dores e alegrias exatamente iguais. Eu odiava o meu colégio, na verdade, foi toda uma experiência problemática e, no entanto, extremamente produtiva. Se eu sofria era justamente porque nunca permiti que regras sociais infundadas definissem minhas escolhas, meu caráter, sofria em defesa da minha liberdade.

 As Melhores Coisas do Mundo expõe isto, existem diversos caminhos, escolher o seu é sempre o mais doloroso. O final nos contempla com um belo compromisso com a realidade e a fuga dos clichês. Eles, os jovens que vão contra a ordem da escola, não vencem, não conseguem impor mudanças. Ainda bem, não ganhamos nenhuma lição de superação e vitória, pois isso também não cabe na realidade, nela as vitórias são minúsculas, baseiam-se em nossas escolhas. Aprendemos que não se trata de uma luta onde se está porque ambiciona-se a vitória, é uma luta que se justifica por si mesma, é uma forma de se viver. O que temos como consolo é isto, nossa paz de espírito, a segurança em nossas ações, nosso caráter e, claro, o amor, as risadas e a convivência que harmonizam e dão sentido ao caos.

Vão ao cinema!

Taís Bravo

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Amélie Poulain e os motivos para se viver (sendo feliz)

 

(Há um motivo para eu estar escrevendo sobre esse filme. Ando, como sempre, tendo problemas para lidar com a rotina, os horários, a pressão do futuro, as pessoas que cultuam a universidade e a “sabedoria” erudita…Felizmente, estou me tornando sagaz o suficiente para me auto-recomendar filmes e em pleno niilismo miguxo, ressurgiu a luz e fui assitir Amélie, mais uma vez.)

 O fabuloso destino de Amélie Poulain é um filme sobre o prazer de se estar vivo, um prazer que é construído diariamente, vencendo o tédio, os dramas e a solidão. Solidão que é uma questão essencial para o filme, Amelie é uma solitária, seu menino, Nino, também e, se pensarmos bem, todos são, mas pouco são tão assumidamente quanto eles. E os solitários são os que melhor sabem sonhar.

E é o sonho que conduz toda a trama e conduz suas cores e sons.

Por que se viver quando se é extremamente solitário? Por que se viver quando se tem uma doença que te impede até de sair de casa? (porque Amélie também é também uma história sobre o porquê de persistir vivendo)

Pelo sonho.

O sonho é um ato de criação, é um ato artístico. É preciso sonhar para se manter vivo e para se criar vida. É na sua imaginação que Amélie se recolhe nos longos anos de infância solitária, solidão que se apresenta contínua, de forma que ela mantém uma criatividade e um olhar sobre a vida que podem ser considerados infantis. Mas infantil não é uma qualidade negativa, conservar um olhar de criança é manter a mente instigada, curiosa, não propensa ao óbvio.

No entanto, um mundo de sonhos fechado em sonhos, sem algum diálogo, é um mundo de mortos, de fantasmas (isso eu aprendi com Waking Life, recomendo). Os sonhos para se inflarem de ar e assim recriarem vida, precisam voltar-se ao outro, porque “é impossível ser feliz sozinho”, é clichê, contudo é recorrente. O sonho que nunca é exteriorizado ou compartilhado causa angústia, instiga o vazio.

Dessa forma, Amélie volta seu olhar fantástico ao outro, percebe o quão imenso é o mundo em suas diferenças individuais e seus destinos construídos por atos minúsculos e como solução para a angústia que maltratava seus sonhos, encontra um sentido: Transformar sua vida, interferindo na vida alheia para proporcionar emoção e felizes encontros. Assim, constrói-se como heroína, Amélie, uma verdadeira justiceira em defesa dos oprimidos e de seus pequenos prazeres.

 Mas mesmo contribuindo para a felicidade alheia, Amélie ainda é sozinha, ainda prefere resguardar sua própria vida em sonhos para ninguém ver. Um desses sonhos é Nino, o menino que sem saber exatamente porquê, Amelie sente como alguém parecido com ela. Amélie receia se aproximar de Nino – o medo faz parte do prazer que só quem já teve uma paixão platônica entende – medo de perder um ser todo inventado por você, ou seja, perfeito, que lhe cede horas e horas dos mais adoráveis sonhos. No entanto, Nino existe, mesmo que não tão perfeito, mas toda imperfeição pode ser recompensada pelo fato de se poder viver os sonhos. Particularmente, acho que a história de Nino e Amélie nem é o mais importante do filme, no entanto não deixo de achá-la linda e me encanto sempre que ouço o seguinte diálogo – que para mim é a melhor definição do que é amor a primeira vista (coisa que acredito apaixonadamente):

 

– Nem a conheço.

– Claro que conhece

– Desde quando?

– Desde sempre…Em seus sonhos.

Em sua trajetória, Amélie nos presenteia com cores, sonhos e a moral de uma vida recheada de aromas, encantos e supostas impossibilidades a um passo de serem revelados.

Taís Bravo

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Histórias de Amor

É amanhã a estréia, gente!

Histórias de amor duram apenas 90 minutos. Dos muitos filmes bons que vi esse ano, acho que nenhum me atingiu com tamanha identificação quanto este. É difícil até começar a escrever sobre, porque é tanto que eu quero dizer – e isso sem cair em um tom muito pessoal desnecessário. Mas vamos lá, enfrentar esse desafio – abordado no filme – que é escrever.

 Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos trata de um dilema comum, desde que a adolescência se tornou naturalizada na sociedade ocidental, o dilema de torna-se adulto, assumir responsabilidades, fazer escolhas, exercer um ofício, criar-se como homem. Não se trata de um tema inovador, há alguns livros e filmes que falam exatamente sobre isto. O inovador é o cenário e a honestidade com que esse é retratado.

  Zeca, vivido por (suspiros) Caio Blat, é um carioca de trinta anos que tenta ser escritor, que é escritor, mas não consegue concluir seu romance – um escritor sem obra, uma piada bastante comum. A trama se inicia retratando sua agonia que a partir de seu bloqueio criativo, sofre com a pressão de seu pai e sua mulher para voltar a escrever (já que ele não faz nada, além disso, e passa seus dias ao léu). Ele, então, resignado de sua capacidade para ser um escritor, anda pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro – nos dando belíssimas imagens – pois, como diz, adora caminhar por aí, sem direção. E é assim que Zeca segue sua própria vida, passeando, sem muito sentido, perdendo-se dentro de sua imaginação e da história que ele mesmo cria, narra e vivi.

  O diretor usa o cenário do Rio de Janeiro jovem-alternativo-onde-todo-mundo-samba-e-ama-baudelaire brilhantemente e, sem parecer forçado, expõe elementos que eu vejo a todo o momento. Eu poderia dizer que é um retrato de uma geração, mas não gosto desse tipo de definição, então, prefiro dizer que é uma interpretação honesta e criativa desses jovens – que como eu – amam arte, tem seus ideais, seus sonhos, mas talvez por uma falta de objetividade, perdem tudo pelos ares.

  Sem dúvida, “Histórias de Amor…”, é o filme que eu queria ver. O filme que eu vi em lugares que freqüento, em amigos, em conversas, nos meus pais, em mim mesma. Senti naquela tela meu próprio drama e saí eufórica com minha penosa dádiva, assim mesmo, nessa ambigüidade onde a verdade se resguarda.

   O drama de Zeca é que ele não encontra um sentido para sua vida, é escritor, mas não escreve, vive entediado, como diz,“minha vida é um saco não acontece nada”, então, com toda sua imaginação, recria tudo, confunde tudo, inventa tramas, mas é traído pela realidade, histórias de amor não duram mais que 90 minutos. Zeca é um menino mimado, criado em uma família de classe média alta, teve boa educação e foi iniciado a uma vida cultural, mas como filho único, sofrendo a pressão de ser alguém e sem saber muito bem agir sozinho, imobiliza-se com a impossibilidade de escolher, de ser responsável, e refugia-se em suas mulheres, em seus amores – seus escritores preferidos são suicidas, que se mataram por causa do amor – e assim, com todo charme cedido por Caio Blat, que é um tremendo anti-herói que às vezes cai no ridículo, desses tão presentes na vida. No meio de sua crise, Zeca pergunta “O que eu faço da minha vida, pai?”, e chora, e relembra sua infância, sua história, sem entender muito bem como havia chegado ali. Para mim, foi impossível não me identificar com Zeca e não ver aquela pergunta ao pai estampada na angústia de tantos amigos meus.

  Além disso, Histórias de Amor trata também da “Revolução sexual” deixando implícito um triângulo amoroso, um caso lésbico (nunca confirmado, que para mim existe muito mais na imaginação de Zeca do que na realidade), entre outras inovações já banalizadas em nossa geração.

  Um filme com uma história séria, cenas cômicas, leveza e profundidade, tudo de maneira honesta e despretensiosa. Sei lá mais o que falar…

  É um puta filme. Muito bom ver um filme nacional com essa maturidade, essa beleza e essa temática existencial (o diretor tem um pé grande na Nouvelle Vague – incluindo uma cena-homenagem a “Acossado” que eu amei – e trabalha com essa influência de maneira muito inteligente, sem perder a característica brasileira e carioca do filme, mas ainda assim o tornando universal, devido à trama.) Assistam, comentem, divulguem, vamos prestigiar o cinema nacional verdadeiramente bom (e deixar que os salafrários com patrocínios e falta de talento sejam esquecidos pelo tempo – e sim, isso é, de novo, uma alfinetada para “Apenas o Fim” =D).

Escrito por Taís Bravo

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Histórias de amor duram apenas 90 minutos

(Sexta que vem estréia o esperado, Histórias de amor duram apenas 90 minutos, portanto, vamos repostar (?) nossas resenhas sobre o filme. Dia 12 todo mundo no cinema, hein!) 

 

Eu tenho uma mania: assim que acabo de ver um filme vou logo pesquisar sobre ele. Gosto disso porque é uma maneira de descobrir mil informações que passam batidas ao se assistir só uma vez uma produção. Filmes falam muito mais do que imaginamos. 

Com “Histórias de amor duram apenas 90 minutos” não foi assim. Não que eu não tenha ido pesquisar sobre ele (mania é mania), mas não senti tanta necessidade de fazer isso – ao sair da sala de cinema, senti ter compreendido quase tudo. 

Paulo Halm conseguiu realizar um filme sobre uma geração com uma clareza e precisão admiráveis. As locações, a fotografia, a câmera, os personagens, tudo se encaixa e provoca identificação no espectador. É difícil ser carioca e não reconhecer as ruas do Centro e a praia de Ipanema, mas mais difícil ainda é ser apresentado aos personagens e não sentir já tê-los conhecido.

Não sei quanto à maioria dos leitores do blog, mas eu conheço algumas Júlias – mulheres lindas, inteligentes, decididas e frias aos olhos de muitos, mas capazes de largar uma bolsa de estudos dos sonhos em Paris por amar um homem. Também já encontrei Caróis, espontâneas, divertidas, liberais e absolutamente inconseqüentes. Sem falar na galera “cool”, onde há espaço para sexo, drogas, rock’n’roll, samba e poesia. E o Zeca. Pois é. Ele não é o personagem principal desse filme por acaso – ele é a geração inteira que Paulo Halm deseja retratar.

Zeca tem 30 anos e vive como adolescente. Não tem emprego, perspectivas ou confiança no seu talento, passa os dias fumando, bebendo, lendo e fingindo escrever. Zeca é um escritor que não escreve, um projeto estagnado, uma farsa. E ele sabe disso, mas não sabe o que fazer para mudar sua vida. As coisas acontecem na sua frente e ele não consegue controlá-las. E isso o angustia.

Em uma entrevista, o diretor e roteirista de “Histórias…” disse: 

“O filme é sobre a geração que, apesar de ter talento, nunca decola. São escritores que escrevem e não publicam, cineastas que não filmam, compositores que não gravam…” 

É exatamente isso que vemos na tela. Através de conflitos internos, triângulos amorosos, crises existenciais, problemas familiares, paixões e outras pequenas trivialidades tão presentes e importantes em nossas vidas, Paulo Halm fez um ótimo filme, além de ser muito atual. Vejam, seja para se identificar ou só para conferir o funk do Baudelaire (g-e-n-i-a-l). 

Escrito por Natasha Ísis

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À Deriva, um cinema que não comove

Assim que comecei a assistir À Deriva, tive o seguinte pensamento: eu posso criticar um filme por ser bonito demais? Bonito demais, eu explico, esteticamente, com imagens de mar, sol e família estilo claybon.

 

  No final do filme, constatei que sim, obviamente posso criticar um filme por ser bonito demais. Nesse caso, não se trata de uma crítica a um impasse entre a forma e o conteúdo, ou seja, uma estética que se destaca, mas revela um discurso vazio ou fraco. Não, as imagens do filme são bonitas demais, incomodam, provocam uma desconfiança. 

  Em À Deriva, a beleza quase grotesca denuncia uma desonestidade. A forma do filme não é conseqüência de uma potência criativa, mas da apropriação de uma noção hegemônica do que é belo, o resulto é uma estética que quer se passar por grandiosa quando é simplista, clichê e tão verdadeira quanto imagens de pôr-do-sol trabalhadas no photoshop. 

  Nesse ponto, forma e conteúdo do filme estão em perfeita sintonia, porque se as imagens me deixaram desconfiada, a maneira como a história é conduzida comprovou para mim que À Deriva não convence. Na verdade, é quase um filme de má fé, buscando sempre tapear o espectador (e de fato conseguiu tapear muitos).

  A trama supostamente mostra o drama de uma adolescente que ao descobrir o caso de seu pai com outra mulher, vive um conflito, envolvendo sua nascente sexualidade em uma tensão onde a desconfiança e a agressividade predominam. Deveria, assim, abordar a complexidade do relacionamento entre pai e filha, a ambigüidade presente na sexualidade e o problema de ser adolescente, no entanto, acaba desmoronando em pretensões.

  A história se perde em uma coleção de cenas sem propósito, com a tentativa de conduzir sutilmente o espectador a um clímax que nunca se manifesta. Fica-se esperando o momento em que a profundidade e o real drama irá se revelar, até que se chega à cena de confronto entre pai e filha, e nada comove. O clímax de À Deriva comprova sua desonestidade. O filme é pensado todo o tempo para envolver e surpreender, a beleza se justifica apenas pela beleza, o choque também, é um trabalho que nunca se realiza como expressão. As intenções de À Deriva são tão explícitas que qualquer espectador inteligente sente-se ofendido.

Tão bonito quanto as imagens do Rio de Janeiro na novela das oito, tão profundo e relevante também…

Escrito por Taís Bravo

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Woody Allen, meu namoradinho.

(a mostra do CCBB me inspirou)

Não sei dizer se Woody Allen é meu cineasta preferido, no entanto, é sem dúvidas, o meu mais querido e também o que conheço melhor a obra. Quando vou assistir a um filme de Allen, não tenho sempre a certeza de que vou assistir ao filme da minha vida (embora isso tenha acontecido mais de uma vez, tenho muitos filmes da minha vida), mas sim sabendo que vou experimentar novamente a indescritível sensação prazerosa que me faz amar o cinema.

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Para mim, todo filme de Woody Allen é uma homenagem ao cinema, porque ali está um homem que dedicou toda sua vida a essa arte, superou seus tramas, problemas e angústias em relação à vida para realizar um trabalho memorável. Além disso, se Truffaut defendia que os cineastas têm espécies de “manias” – que são os elementos que fazem um cinema ser ou não autoral – as manias de Woody Allen me deliciam, porque muitas são também minhas manias. Suas paixões mal resolvidas, auto-ironia, cinismo, as mulheres loucas (um capítulo adorável a parte na obra de Allen), os conflitos existências, as paranóias, são alguns dos traços de Allen com os quais me identifico.

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Woody faz um cinema que entretêm e é profundo, faz seus expectadores rirem e pensar, isso é perfeito. Por mais que sua obra (e talvez sua própria vida) não possua um teor político (o que eu considero importante, mas aí é uma das minhas manias), não se tratam de filmes com temas vazios, pelo contrário, há muita filosofia neles – dessa que você não precisa ter conhecimento teórico para sentir. Seus filmes, para mim, são verdadeiras lições de como lidar com a vida, com os problemas individuais e as grandes dúvidas que todo ser humano tem, tudo isso com humor (majoritariamente).

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Em seus filmes, Allen freqüentemente aborda a amargura da vida, mas (quase) sempre exposta de uma maneira afirmativa que não nos impele a um desespero niilista, mas sim certo conformismo ativo (afinal é “Igual a tudo na vida”, e “Wee need the eggs”) que para mim tem um forte tom existencialista, apesar da angústia há a liberdade e o poder de escolha, o mundo é cheio de injustiças e tristezas, mas ainda podemos fazer algo (“Somos o que fazemos do que fazem de nós” – para eu citar Sartre e me sentir cult).

“Interiores” expressava os meus sentimentos pela vida, que é um nada frio e vazio em que vivemos e que a arte não salva – só um pouco de calor humano ajuda. Isso era uma coisa que eu estava escrevendo didaticamente. Uma porção de idéias minhas, se você juntar todas, vão parecer pessimistas. “Crimes e pecados”, você pode cometer um crime e se safar porque o universo não tem deus. Se você não se policia, então ninguém vai te policiar. Em” A rosa púrpura do Cairo” a minha sensação era, como eu já disse antes, de que você tem de escolher entre a realidade e a fantasia e, claro, é forçado a escolher a realidade, e ela sempre te mata. Em “Interiores” havia muita coisa sobre quanto somos frios e pouco comunicativos uns com os outros, e como a vida é uma coisa aterrorizante, e a morte é aterrorizante, e nada ajuda. É juntar tudo isso [ri baixo] e ver como parece muito sombrio.

Eu gosto muito também das mulheres de suas histórias. Tudo bem que há doses exageradas de paranóia e loucura em algumas delas, mas é comum a arte se apropriar do exagero e não posso negar que Allen mostra essa loucura de um jeito muito charmoso. Eu simplesmente amo todas aquelas diferentes mulheres de Hannah e suas irmãs (o filme que me fez começar a gostar de Woody Allen). Hannah é a irmã perfeita, meio garota tom pastel que me irrita, mas pode ser adorável (me lembra um pouco Vicky de “Vicky Cristina Barcelona”); Lee é um tanto quanto problemática, o tipo de mulher apaixonada, intensa e sensual que Allen gosta de explorar em suas histórias (Cristina de “Vicky Cristina Barcelona”, Amanda de “Igual a tudo na vida”…); Holly é a, perdoem-me a expressão, crazy bitch, completamente desnorteada e com um tendências auto-destrutivas (lembra María Elena de “Vicky Cristina Barcelona” e a Melinda dramática de “Melinda e Melinda”). Todas essas mulheres me fascinaram muito, porque Woody as cria com uma graciosidade incrível, afinal elas o enlouquecem, mas ele as ama. Minha preferida, no entanto, é sempre a Diane Keaton, ela por si só é maravilhosa, tem uma beleza particular que me encanta, além disso, nenhuma personagem, para mim, tem mais carisma que Annie Hall. Confesso que não gosto tanto da Mia Farrow, mas sua personagem em “Crimes e Pecados” é outra que ganhou minha admiração, workaholic, fria, absurdamente sarcástica e inteligente, não tem como não se apaixonar.  Acho que concordo com a maneira que Woody Allen compõe os tipos humanos, não sei se é certo ou realista, mas é bem similar com a maneira com que eu vejo as pessoas também.

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Dá pra escrever qualquer coisa para a Mia. Ela é uma atriz desse tipo. É mais uma atriz clássica, mas é capaz de fazer uma cantora barata e uma mãe dramática. A [Diane] Keaton também é capaz disso, em grande medida. Mas a Keaton tem um certo tipo de personalidade muito, muito espetacular, e é muito agradável na tela. O pró dessa personalidade é que é um dote único, tremendo. E o contra – e não acho que seja um contra tão grande assim – é que nem sempre é fácil perder essa personalidade é quando você quer mergulhar num personagem. Mas ela sempre foi muito boa nisso. Ela também tem um amplo alcance.

Woody Allen é um marco na história do cinema, pela sua originalidade, pelo tom único que tem sua obra e por mostrar o quanto o humor pode ser sério e profundo. As manias de Allen tornam seu cinema autoral, mais do que isso, nos dão a sensação de visitar um velho amigo inteligente, engraçado e paranóico (de vez em quando mais depressivo e pessimista que o normal) a cada filme assistido.

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Não é à toa que eu já sonhei que a gente namorava e andava de mãozinhas dadas em Botafogo (foi só isso tá, não venham com suas mentes maliciosas para cima de mim).

Quando eu era menino, sempre corria para o cinema em busca de um escape – às vezes doze ou catorze filmes por semana. E, adulto, consegui viver a minha vida de forma um tanto autocomplacente. Consigo fazer os filmes que quero, e então, durante um ano, posso viver naquele mundo irreal de mulheres bonitas e homens interessantes, situações dramáticas, figurinos, cenários e realidade manipulada. Sem falar em toda a maravilhosa música e em todos os lugares aonde me levou. [Ri.] Ah, e às vezes eu consigo sair com uma das atrizes. O que poderia ser melhor? Escapei para uma vida no cinema do outro lado da câmera, mais que para o lado da platéia. [Faz uma pausa.] É irônico eu fazer filmes escapistas, mas não é o público que escapa – sou eu.

(trechos em Itálico foram retirados do livro ‘Conversas com Woody Allen” de Eric Lax)

Escrito por Taís Bravo

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Quase Famosos, contracultura, cool, honestidade e música

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Acho que sou a pessoa com mais manias que conheço, uma dessas manias é de ver os mesmos filmes mil vezes, digo, mil vezes mesmo. É algo que começou na minha infância, quando, para a infelicidade da minha mãe, eu assistia sem parar “A Princesinha”, “O Jardim Secreto”, entre outros filmes bonitinhos e alegres (incluindo um da Turma da Mônica onde o Chico Bento tinha uma rádio, nunca descobri que filme é esse, mas eu assisti inúmeras vezes, quase enlouquecendo meus pais).

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Na minha adolescência – que ainda não terminou completamente, ham – o maior filme preferido de todos os tempos foi “Quase Famosos”. Não sei mesmo quantas vezes eu o assisti, fato que foram mais de dez, de longe. Então, eu nem precisava rever para escrever sobre, mas, ah, até parece que isso é um sacrifício.

“Quase Famosos” é o meu filme adotivo preferido, desses que eu sei os diálogos de cor e não posso ouvir as músicas da trilha sonora (que vai muito além de Tiny Dancer) sem ser contagiada, é um filme que me fez e ainda me faz sonhar. Convenhamos, o filme retrata a vida na estrada de uma banda de rock em ascensão, acompanhada por um pirralho que é um novato jornalista musical, tudo isso nos anos 70, com cenários, roupas e músicas incríveis, só por esses elementos já merece ser um filme preferido. Mas “Quase Famosos” vai além desses símbolos fetiches da geração alternativa-cult-bacaninha, com um tom de entretenimento a história contém profundidade, aborda temas como a música e a indústria fonográfica (o termo “indústria do cool” citado é genial), conflitos entre pais e filhos, a contestação da ordem pelos jovens a partir de um novo comportamento e o dilema entre ser cool e ser honesto. É coisa pra caramba, e está tudo ali no filme, mesmo que não seja com uma seriedade obscura de um Bergman, mas está lá e quando se assiste aos quatorze anos é algo tão tocante que você quer viver naquele filme, tipo, pra sempre (e até hoje quando eu vejo fico louca pra sair pela estrada com uma banda e como não tenho talento musical algum – para minha profunda tristeza- aceito convites de músicos, okay? brinks – ou não.)

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A trama se inicia retratando a infância/pré-adolescência de William Miller, no final dos anos 60, ele recebe uma rígida educação de sua mãe, professora universitária, ao mesmo tempo em que é influenciado por sua irmã mais velha, Anita, considerada como rebelde pela mãe, pois adora Rock, beija meninos e não simpatiza com o ideal de vida defendido por essa. Esse conflito entre mãe e filha representa uma ruptura no pensamento jovem, não se deseja mais ter uma vida burguesa e estável como a dos pais, cursando universidades e terminando seus dias em empregos enfadonhos e lucrativos, há uma vontade de experimentar, vivenciar, esses jovens passam a ter uma nova percepção de suas existências, sentindo-se no direito de fazer dessas o que bem entenderem, sentem-se livres. E nada foi mais libertador do que o Rock, pelo menos dentro de uma cultura de massa, como Anita diz, ao entregar seus discos para o irmão mais novo, “Look under your beed, it Will set you free”*. É uma redescoberta da vida, um novo tipo de filosofia que choca a ordem e atemoriza os pais, como Caetano e Gil escreveram e  Os Mutantes consagrou: “Mas as pessoas da sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer”, mas os jovens querem mais, querem viver suas vidas. Para tudo que era proibido agora existe a pergunta “por que não?”, a liberdade promove a transgressão da ordem.

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"NÃO USE DROGAS!", rs.

Há um pulo na história e William surge terminando o colegial, aos 15 anos, sendo um grande looser adorador de bandas de rock. Sua mãe se impõe para que ele curse a faculdade de direito e se torne um advogado, como era o seu sonho, mas ele, influenciado pela irmã (que agora não vive mais com ele), começa a se aventurar como jornalista musical.  Nesse ponto da história, surge o personagem de Lester Bangs (que de fato existiu), nos dando reflexões incríveis sobre Rock, como este foi deturpado pela indústria fonográfica, entrando em uma lógica do que é “cool” e perdendo a liberdade e a honestidade que o tornavam algo inspirador. Para algumas pessoas pode passar despercebido, mas esse personagem, com sua crítica, está ligado intimamente a absorção da contracultura pelo sistema, o que era transgressor e contestador de repente é assimilado pela ordem, tornando-se mais um produto capitalista e não uma arte original e criativa capaz de influenciar verdadeiramente as pessoas, proporcionando uma reflexão, inclusive, sobre nossa contracultura contemporânea, se é que ela existe (oi, MTV? nx zero? Lady Gaga sem calça se achando rebelde?).

Como jornalista musical, William passa a viajar com a banda Stillwater, a partir daí outros personagens interessantes vão entrando em cena. Dentre esses, Penny Lane é quase um clássico, a história de uma garota que vive viajando com bandas, sem revelar seu verdadeiro nome, criando para si mesma uma persona misteriosa é adorável. Penny representa bem o peso do “cool”, para ser a imagem que criou, ela se isola dentro de uma máscara, se percebermos, ela está sempre só no final dos shows e na verdade, está mesmo sempre sozinha, resguardada dentro de sua personagem onde não pode ser honesta, pois precisa continuar representando. No entanto, creio eu, que em uma coisa Penny Lane (aliás, ela é outra personagem que existiu) é honesta, na sua paixão pela música, sendo essa talvez a motivação para todas as farsas, como fica implícito em seu discurso: “Never take it serious, if you never take it serious, you never get hurt and if you ever get lonely, just go to the record store and visit your friends”**. Jeff Bebe é outro personagem interessante, o que representa de maneira mais exagerada a busca por ser cool dentro do rock, perdendo inclusive os princípios que o levaram a se tornar um músico e sendo algumas vezes um tremendo idiota. Mas é claro que quem mais se destaca é Russell Hammond, com seu charme e talento (“You are too good looking and too talent to be trusted”***) é o tipo de cara que não precisa se esforçar para conseguir o que quer, isso apesar de lhe dar um caráter irresponsável e egocêntrico, também marca sua relação com a música, sendo é algo que ama e faz sem grandes preocupações, tornando-se um amante honesto do rock. William vivencia a tudo isso e abdica do cool em nome da honestidade, perdendo a chance de se tornar “amigo” daqueles rock stars, prestando assim um favor ao rock e a arte de qualidade, o que ele realmente ama.

Talvez isso seja para mim o mais bonito de “Quase Famosos”, essa homenagem que presta a verdadeira arte, ao rock que amamos que nos liberta e inspira. É um filme que contesta a triste situação na qual o rock (e a arte em geral) se encontra e nos faz sonhar e desejar mais experiências honestas para nossas vidas, muito além do super hype cool. Sem dúvida foi o filme que me fez ter a tatuagem que tenho, a ter uma atração fatal por músicos (ó deus), a desejar mais da minha vida do que as pessoas da sala de jantar e a me apaixonar mais ainda pelos anos 60/70, por tudo isso e muito mais, Cameron Crowe tem um lugarzinho cativo no meu coração (que ele massacrou em “Elizabethtown”, mas tudo bem).

* “Olhe debaixo da sua cama, vai te libertar”

** “Nunca leve a sério, se você nunca levar a sério, você nunca se machuca e se você nunca se machuca, você sempre irá se divertir, e  se alguma vez se sentir sozinha, apensa vá a uma loja de discos e visite seus amigos”

*** “Você é bonito e talentoso demais para ser confiável.”

Escrito por Taís Bravo

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Resenhas instantâneas – Festival do Rio – Mamãe foi ao Salão

 “Mamãe foi ao Salão” para mim foi o filme mais emocionante do festival. Não imaginava que a trama de três filhos que precisam lidar com a ausência da mãe, fosse me emocionar de maneira tão visceral, mas as lágrimas nos meus olhos comprovaram o quanto o filme é comovente.

 

O filme é de uma delicadeza tocante. Tem o tal carisma cedido pelas crianças – como eu disse aqui – uma composição estética brilhante, cores lindas, roteiro incrível, singelo, inteligente e envolvente. Dá prazer e promove reflexões, sem estardalhaços, de maneira natural.  

 

  O filme se inicia com um bombardeio de cores e luzes, e crianças dando início às férias de verão. A simples alegria cotidiana de ser uma criança contagia o espectador de maneira nostálgica, e não tem como não achar bonito uma mãe recebendo seus filhos com o bolo preferido destes. A harmonia da família parece inabalável, perfeita. O carinho da mãe pelos filhos e o prazer que as crianças tiram das coisas simples, são tocantes. Até que tudo muda, a mãe vai embora, trabalhar como âncora em Londres, para sobreviver ao abalo da traição do marido, e eles, então, se deparam com uma nova realidade, onde os falta a principal referência.

  

Dentro dessa mudança é a visão de Elise, a irmã mais velha, que merece destaque. Elise não é mais uma criança e, em meio às dificuldades, se vê obrigada a olhar por seus irmãos, floresce aí um espírito maternal e desenvolve uma maturidade forçada, e por ser forçada acompanhada de revolta. Ela vivia uma felicidade inquestionável, mas com a partida da mãe, não só perde suas tranças, como descobre a tristeza, o mundo se torna incompreensível e, portanto passa a observá-lo com mais detalhes, buscando respostas em dores que antes lhe passavam despercebidas. De repente, não olha só por seus irmãos, mas por todas as crianças da vizinhança, desmistificando o provérbio de que a grama do outro é sempre mais verde, Elise sente o desajuste de todas as famílias, de todas as pessoas.

 O filme aborda essa temática difícil, dolorosa, sem perder suas cores vivas, pois se apóia na leveza das crianças, na maneira alegre com que lidam com seus pequenos dramas, e dentre as grandes sacadas do filme está a cena delas brincando ao som de Happy Together (The Mamas and The Papas, cara! lindo!). O que a trama nos promove, é a descoberta dessas crianças de um mundo diferente, onde perdem suas referências e estranham a realidade, sem, contudo, perderam a felicidade e a esperança, a qualquer momento mamãe pode voltar.

Enfim, é belíssimo, um filme completo, com roteiro e estética maravilhosas e, o melhor, com carisma. Quem não se emocionar ganha pra mim o título de coração de gelo na vida inteira.

 

PS: O Festival acabou, mas “Mamãe foi ao Salão” está na repescagem.

13/10/09 – 17:30 – Espaço de Cinema

 

Escrito por Taís Bravo

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Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos – Parte 2

Eu tenho uma mania: assim que acabo de ver um filme vou logo pesquisar sobre ele. Gosto disso porque é uma maneira de descobrir mil informações que passam batidas ao se assistir só uma vez uma produção. Filmes falam muito mais do que imaginamos.

Com “Histórias de amor duram apenas 90 minutos” não foi assim. Não que eu não tenha ido pesquisar sobre ele (mania é mania), mas não senti tanta necessidade de fazer isso – ao sair da sala de cinema, senti ter compreendido quase tudo.

Paulo Halm conseguiu realizar um filme sobre uma geração com uma clareza e precisão admiráveis. As locações, a fotografia, a câmera, os personagens, tudo se encaixa e provoca identificação no espectador. É difícil ser carioca e não reconhecer as ruas do Centro e a praia de Ipanema, mas mais difícil ainda é ser apresentado aos personagens e não sentir já tê-los conhecido.

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Não sei quanto à maioria dos leitores do blog, mas eu conheço algumas Júlias – mulheres lindas, inteligentes, decididas e frias aos olhos de muitos, mas capazes de largar uma bolsa de estudos dos sonhos em Paris por amar um homem. Também já encontrei Caróis, espontâneas, divertidas, liberais e absolutamente inconseqüentes. Sem falar na galera “cool”, onde há espaço para sexo, drogas, rock’n’roll, samba e poesia. E o Zeca. Pois é. Ele não é o personagem principal desse filme por acaso – ele é a geração inteira que Paulo Halm deseja retratar.

Zeca tem 30 anos e vive como adolescente. Não tem emprego, perspectivas ou confiança no seu talento, passa os dias fumando, bebendo, lendo e fingindo escrever. Zeca é um escritor que não escreve, um projeto estagnado, uma farsa. E ele sabe disso, mas não sabe o que fazer para mudar sua vida. As coisas acontecem na sua frente e ele não consegue controlá-las. E isso o angustia.

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Em uma entrevista, o diretor e roteirista de “Histórias…” disse:

“O filme é sobre a geração que, apesar de ter talento, nunca decola. São escritores que escrevem e não publicam, cineastas que não filmam, compositores que não gravam…”

É exatamente isso que vemos na tela. Através de conflitos internos, triângulos amorosos, crises existenciais, problemas familiares, paixões e outras pequenas trivialidades tão presentes e importantes em nossas vidas, Paulo Halm fez um ótimo filme, além de ser muito atual. Vejam, seja para se identificar ou só para conferir o funk do Baudelaire (g-e-n-i-a-l).

Escrito por Natasha Ísis

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