“Não tentarei comunicar através da escritura a alegria física e a dor física que sentimos em determinados momentos de Acossado (A bout de souffle) e de Viver a vida, àqueles que não as sentem.”
(Truffaut)
Processando Godard por todos os adoráveis males que me proporcionou.
Confesso que apesar de eu ser uma pessoa que vê filmes com certa regularidade, nunca tive nenhuma espécie de seletividade na escolha desses, de forma que meu conhecimento sobre cinema é meio ridículo. Então, assumo que só vi meu primeiro filme do Godard aos 19 anos. Foi Acossado no cinema. Ter a possibilidade de ver justamente este filme no cinema foi um dos momentos mais perfeitos da minha vida . Ironicamente, nesse dia eu estava pensando seriamente em abdicar todas as minhas aspirações artísticas (não só cinematográficas), porque a realidade é muito dura para acreditar em fazer arte, para acreditar em qualquer sonho.
Então, eu vi Acossado. E parecia que estava vendo o filme que eu sempre vivi na minha imaginação. Todos aqueles cigarros, aquelas conversas, as roupas, as referências, aquele amor tão perturbado que só com muito romantismo cafajeste (que eu particularmente adoro) pode se chamar de amor. Foi demais para a realidade. Mesmo que eu tenha repetido mil vezes minhas teses sensatas, Godard me pegou de jeito. Quando eu vi já estava lá, vivendo filmes imaginários, tão parecidos com os dele. Mas os dele existiam, estavam ali, prontos, influenciando pessoas desde que nasceu e agora me arrebatando.
É fácil entender porque Acossado é a versão perfeita de filmes que eu imaginei antes mesmo de assisti-lo, é justamente porque fragmentos de Godard estão espalhados por aí, intrínsecos a imaginação contaminada dos cineastas desde que a Nouvelle Vague surgiu. Eu me encantei com tantas cenas inspiradas em Godard – e tentei por tanto tempo reproduzi-las em minha vida – que quando vi a fonte original delas, foi o ápice para o meu coração e toda a falsa sensatez que ele tentava adquirir.
Eu deveria processar Godard.
Se não fosse por ele eu estaria vivendo minha vida, estritamente concentrada na realidade. Estaria agora presa às horas, as tarefas, as ações automáticas e práticas, seguindo minha vida, conformada. Se não fosse Godard eu não teria essa danosa visão subjetiva, essa fome por transver o mundo, essa constante implantação de imaginação onde só há dia-a-dias monótonos. É por culpa dele que, mesmo de mentirinha, eu continuo. E só isso é necessário, continuar. O cinema de Godard me permitiu sonhar. Sonhar para impulsionar o viver, para apenas viver.
(texto escrito ano passado, alguns meses após eu ter assistido Acossado)
Escrito por Taís Bravo