Maria Antonieta é um filme que despertou fortes polêmicas e diferentes opiniões. Muitos o criticam, justificando que esse apresenta um descompromisso com a realidade e suas questões sócio-políticas. Eu não compartilho desta opinião.
Primeiramente, porque Sofia Coppola deixa claro que seu filme não tem a pretensão de ser um relato ao pé da letra da história, mas sim uma interpretação, uma adaptação criativa de alguns fatos (o all star, as cores, a trilha sonora, tudo isso comprova a despreocupação de Sofia com a verossimilhança). Sofia usa sua imaginação e ares fantásticos para recontar uma história, isto não significa que o filme assuma uma postura indiferente à realidade.
Maria Antonieta é uma obra original e extremamente autoral que se apropria da realidade para criar um universo próprio – a partir da releitura de Sofia – sem perder uma conexão, um significado, completamente relevante para a vida que existe fora do cinema.
Ao retratar a história a partir da perspectiva de Maria Antonieta, Sofia expõe uma existência em tons adolescentes, na qual os relacionamentos e as ações são mesquinhos e hipócritas. Dessa forma, se Sofia assume a difícil missão de cumprir uma defesa de Maria Antonieta, não se trata de assumir o lado da nobreza em plena Revolução Francesa, mas, sim, relativizar, demonstrar o lado humano destes personagens e problematizar uma questão a muito tempo reduzida a um falso maniqueísmo.
Alguns condenam Sofia por mostrar a rainha como possível vítima, não acredito que isso seja um erro, muito menos alguma posição política reacionária. Pelo contrário, a partir dessa visão, o filme expõe o quanto aquele sistema (que de muitas formas ainda prevalece) é nocivo aos homens, reduz suas liberdades e, assim, a possibilidade de construir uma vida própria e feliz. Há uma constante ênfase no filme a opressão causada pelas obrigações sociais, norma fundamentadas nas aparências, favorecendo exclusivamente a permanência de um sistema econômico.
Sofia mostra uma Maria Antonieta fútil e inconsciente, que busca suavizar seus problemas e sua existência vazia através de exageros. Dessa maneira, um assunto extremamente atual é posto em voga, o hedonismo e o niilismo. De fato, a possível rebeldia da rainha se resume aos prazeres efêmeros, roupas, festas, comidas. Sofia expõe, honestamente, o quanto esse tipo de ação pode ser prazerosa, a trilha sonora, as roupas, as cores, tudo dá um tom delicioso as cenas. Contudo, da mesma maneira, deixa claro que há o dia seguinte e o vazio e a insatisfação permanecem (para muitos passa despercebida a cena após a festa de aniversário de Maria Antonieta, a sala imunda, seu olhar perdido na banheira).
Aliás, Maria Antonieta só aparece mais feliz quando se afasta da vida social, na fase do Petit Trianon na qual há cenas belíssimas. Assim, mais uma vez, Sofia aponta seu argumento, a sociedade corrompendo a individualidade e a liberdade do homem.
É interessante pensar no que motivou Sofia contar esta história (sem, no entanto, se apegar a qual seria sua intenção, já que esta é uma questão extremamente árdua de se definir). Percebo Sofia como um Górgias moderno, expondo a defesa de uma mulher que foi absurdamente rechaçada pela história, não tanto por crer na sua inocência, mas principalmente por não resistir a uma vontade de problematizar, utilizando a palavra como brinquedo. No caso de Sofia, o brinquedo são imagens, sua capacidade inspiradora de criar e compor universos nunca antes existentes.
Escrito por Taís Bravo