Olhos Azuis

A primeira coisa que deve ser dita sobre Olhos Azuis: é um filme destemido. Há uma Verdade que perpassa suas histórias e se apresenta ao longo de todo o filme sem nenhum vestígio de hesitação, forte e pungente.

A trama se desenvolve através de dois principais fragmentos, um se passa no departamento de imigração americana, outro no Nordeste brasileiro. À medida que a relação entre estes fragmentos torna-se mais clara, maior é a aflição que nos atinge, não queremos enxergar o final que se aproxima. No entanto, é inevitável, o clímax se instala, os fragmentos se encontram, porém o ritmo tenso que os conduz, não se satisfaz, persevera, somos abandonados em meio a ele. O filme acaba e não tem fim.

O grande mérito de Olhos Azuis é este, sua relevância que ultrapassa a sala de cinema. Pode-se falar sobre muitos aspectos incríveis do filme, as atuações brilhantes, o roteiro impecável, fotografia…É um trabalho primoroso. Mas o que realmente engrandece todas estas ações é a relevância desse cinema destemido.

A Verdade que para muitos parece ousadia expor, Olhos Azuis escancara com a honestidade de quem não suporta mais rebaixar-se a reivindicações comedidas.

Ter coragem não deveria ser um motivo de honra, mas em tempos de relativismo e cinismo, é muito mais do que isso.

Entrando em pormenores, Olhos Azuis é um filme com um viés político explícito, no qual os paradoxos do um mundo neo-liberal – em que as relações de poder se dão de forma extremamente injustas, impossibilitando, então, a existência de uma liberdade propriamente dita – são apresentados com suas reais amarguras.

O embate entre olhos negros e olhos azuis é resultado da história de homens condicionados à História. Não há condições naturais ou determinismos, tudo é construção histórica. Marshall (David Rasche), o olhos azuis, carrega em si a paranóia, o individualismo, a arrogância e um patriotismo tipicamente americanos, porém, o ser americano não se trata de uma condição natural, impassível de mudança, é uma condição histórica, logo, em contínuo processo. Bia (Cristina Lago), é outra personagem que representa uma condição típica, é a puta brasileira, mais do que brasileira, nordestina, marcada pelas intransigentes raízes do Sertão. Confesso que tal personagem era a mais problemática para mim, temia que tal estereótipo fosse apresentado superficialmente, porém Bia cresce belamente ao longo da trama, as cenas de sua volta ao Sertão apertam a garganta e dilaceram as feridas ainda não curadas.

O clímax de Olhos Azuis pode ser representado por uma imagem, a veia dilatada de Nonato (Irandhir Santos)*. A revolta deste personagem é perturbadora, porque é um grito de realidade em meio a um jogo de consentimentos, no qual, os subordinados aceitam as regras em nome de uma liberdade que nunca deveria ser requisitada. Neonato é um corpo que sofre. Ele treme, chora, sua veia dilata, a injustiça que sente vai além, ela está impregnada em suas raízes, no seu povo, na História. Ele vai até as últimas instâncias, no filme é herói, na vida real seria, provavelmente, um imprudente. Ser destemido em tempos de liberdades relativas é imprudência, falta de limite.

Porém, como já foi dito, Olhos Azuis vai além das terríveis conjunturas de nosso tempo. A tensão que pulsa através da trama é História e as injustiças atreladas a essa construção que definham as liberdades individuais. A História da ascensão capitalista da supremacia americana é a História da vida humana impedida, diminuída, controlada.

Voltamos, então, a relevância de Olhos Azuis. O que o torna importante é seu compromisso com os homens, com suas histórias individuais condicionadas e fadadas, em geral injustamente, pela História. Não há consolo após essas imagens. Há orgulho, de um filme nacional executado perfeitamente com um tema de extrema importância global, e a esperança de que pelo menos a arte seja capaz de expor o que a realidade de simulacros nos persuade a ignorar.

Olhos Azuis é o cinema como instrumento de choque, de imersão em outras experiências, para a construção de consciência de nossa própria história.

Estréia sexta-feira dia 28 de maio!

* Sobre a veia de Nonato e Olhos Azuis, o excelente texto de Rafael Zacca.

Taís Bravo

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O Cinema e as cidades no IMS

O Instituto Moreira Salles promove mais uma mostra interessante. Dessa vez, o tema é a representação das cidades no cinema. A proposta além de inovadora, traz uma seleção de filmes exemplar, contemplando tanto o cinema nacional quanto ao internacional, serão exibidas a Manhattan de Allen, a Milão de Sicca,  a Hiroshima de Resnais, a Los Angeles de Wilder….

O Rio de Janeiro de Carvana

A São Paulo de Person

 

A Londres de Antonioni

 

A programação e mais informações no site do IMS.

PS: Eu, particularmente, gosto muito do IMS, apesar do seu difícil acesso – como já foi dito neste post.
No entanto, ainda tenho críticas ao caráter Viver a Vida, não de Godard, mas de Manoel Carlos, desse Centro Cultural. Enquanto espaços como o CCBB criam facilidades como cine-passe (5 reais com acesso mensal a videoteca e ao cinema), o IMS ainda cobra 10 reais para a entrada do cinema e promove cursos de 7 aulas que custam 140 reais – mas há meia para os dois casos. Acredito que esses espaços deveriam facilitar o acesso a cultura, democraticamente. Não conheço a história do IMS, não sei como ele se sustenta e a verba recebida, procurarei me informar. De qualquer forma, acho que no mínimo cursos e exposições gratuitas deveriam coexistir com essas (de preços exorbitantes).

Taís Bravo

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As Melhores Coisas do Mundo

As Melhores Coisas do Mundo talvez seja um alívio para os jovens e um tapa na cara para os pais. Para mim, nem adulta, nem adolescente, é uma estranha mistura dos dois.

É difícil abordar a adolescência, um tema extremamente passível a clichês, Laís Bodanzky consegue fugir desses com maestria. As Melhores Coisas do Mundo flui e convence . O longa demonstra a adolescência como um período decisivo. É nesse tempo que somos apresentado a liberdade e isso nos conduz, imediatamente, à angustia. É uma fase de solidão, na qual não conhecemos nem a nós mesmos, justamente por estarmos ainda nos formando. Essa solidão une-se a pressão social e pronto, temos uma possibilidade infinita de dramas pessoais. Dramas na maioria das vezes subestimados.

A pressão da sociedade complica este processo já complexo, pelo seu caráter reacionário e repressor. As relações sociais de um colégio são espelho da realidade em que vivemos. Hoje, aos vinte anos, tenho certeza que o colégio, a adolescência, pode ser superada, transformada, mas nunca se termina. O que somos quando jovens define os seres humanos que seremos. É injusto, porque com 15 anos ainda somos inseguros e confusos demais para respondermos completamente por nossas ações, no entanto, é assim que é a vida, somos inevitavelmente responsáveis.

Acredito que este é o período da vida em que sentimos mais intensamente o quão solitária e absurda é a experiência de estar vivo, mas nem todos vivenciam isto. Muitos jovens, ao consumir e reproduzir o sistema cruel que impera em nossa sociedade, passam por este período as cegas, não produzem, não refletem e se desperdiçam em uma existência banal e vazia. A sociedade deseja essas vivências, os jovens têm o poder de desconstruir o mundo de forma revolucionária, de questionar mais livremente e potencialmente do que adultos. Um mundo atual instaura uma ordem infértil, transforma homens em consumidores, limitamos nossas vidas ao senso comum, nossa honra e nosso prazer a obter status (e status se adquiri através de dinheiro). A liberdade que subitamente descobrimos na adolescência é decepada nessa sociedade. Condena-se os diferentes, os bons são a maioria e não se pode aceitar quem não se adequa a esta.

 

Apesar de abordar a violência e a mesquinharia em que as relações sociais se estabelecem atualmente, o longa é leve. Há humor e amor, para uma menina de classe média como eu, é impossível não reagir a cena da festa de 15 anos, ao ridículo daquelas situações, as suas diversões agridoces. O colégio também é filmado de maneira extraordinária, a câmera dá vida aquele espaço, nos permite sentir suas relações e vivências. Os grandes planos da saída da escola, os intervalos, as salas de aula e os closes nos alunos, a individualidade em meio a imensidão coletiva. O ambiente escolar está representado ali com seu paraíso e seu inferno, as aulas enfadonhas, as fofocas, as garotas populares, os excluídos e os momentos simples que se tornam grandes memórias, como passar a tarde deitada no pátio com as amigas ou ouvir um amigo tocando violão. A seqüência em que a câmera expõe a quantidade de informação digital presente na rotina desses jovens também é genial, o filme tem essa característica, apresenta o que é ser adolescente atualmente, não ignora, pelo contrário, enfatiza a revolução que a tecnologia provocou nas relações sociais (revolução que poderia ser ótima, mas que cada vez mais é utilizada para produzir merda). As imagens possuem um discurso muito importante em As Melhores Coisas do Mundo, elas nos permitem estar vivendo com esses jovens, além disso, o tornam bastante bonito esteticamente.

 O filme de Laís Bodanzky é confortador para mim, porque sempre pensei que alguém deveria demonstrar essa realidade. É um absurdo a maneira como os jovens são retratados na dramaturgia – ou são patéticos tomando rodadas de suco e orientando suas vidas a partir do objetivo de pegar tal cara, ou são porra locas consumindo drogas e se prostituindo aos 13 anos. Nem todo mundo era junk bitch, a maioria de nós descobriu o álcool nas tão aclamadas e nobres festas de 15 anos e aprendeu a xingar na escola. Os adultos ignoram, na maior parte do tempo, o que os jovens vivenciam, são descobertas, escolhas, corações apertados, pressões e um mundo cada vez mais complicado para se viver. Assistindo ao longa, senti que alguém conseguiu entender o que acontece nessa fase e soube reproduzi-la brilhantemente. As Melhores Coisas do Mundo com certeza será um filme que alguns jovens tomaram como amigo e espero que seja um alerta para os adultos.

Os atores também merecem destaque. Bem difícil ver um filme com atores jovens sem atuações constrangedoras. Francisco Miguez tem carisma e talento, consegue dar vazão tanto à potência cômica, quanto a dramática do seu personagem, Mano, garoto de 15 anos, virgem, meio loser que precisa lidar com a tensa separação dos pais. Ele é o típico garoto de bom caráter que se perde em meio a um grupo, é inseguro demais e isto o impede de assumir sua individualidade, de transformar em ação suas opiniões – precisa levar muita porrada (inclusive literalmente) para adquirir confiança. Fiuk também faz um bom trabalho, tem um personagem interessante (muito diferente do que eu esperava). Pedro é um personagem que tem segurança nos seus ideais e enxerga o que há de errado no mundo, no entanto, toda sua sensibilidade às vezes se perde em egocentrismo e arrogância, sua raiva ao mundo perde o controle e direciona-se as pessoas e atitudes erradas. A mãe de Mano, vivida com excelência por Denise Fraga, é talvez meu personagem preferido, forte e virtuosa, nos mostra o quão difícil é ser uma boa mãe. Esse personagem enfatiza a questão da ética e a realidade, na qual essa não cabe mais, é ignorada, desrespeitada. Como o simples e genial diálogo entre mãe e filho expõe:

– Isso é antiético.

– Antiético, mãe? Mundo real, né?

 Gabriela Rocha é outra atriz adorável, sua personagem, Carol, é fantástica, uma garota que consegue proteger sua identidade em meio ao caos, autêntica e sonhadora sem se perder da realidade, é para mim a heroína da história. Caio Blat e Paulo Vilhena vivem professores na trama, o primeiro de física o outro de música, são os que estão mais atentos a realidade dos jovens e assumem a missão de serem companheiros desses, encaminharem a luz no fim do túnel, injetarem força e esperança. O personagem de Blat expõe que o ambiente escolar é árduo não só para os alunos, professores sofrem muito, pela impotência que muitas vezes sentem diante de algumas situações, pela maldade dos alunos, por coordenações e suas regras hipócritas. Já Paulo Vilhena é professor de música, exprime a importância da arte para esses jovens, a música, o teatro, a poesia é mais do que um escape, é um meio de se expressar, compartilhar as angustias e dar um sentido as suas existências. Mano e Pedro, vivem aspirações artísticas, o segundo refugia a sua dor nela, é talentoso e bem sucedido em suas ações, enquanto Mano vivi na arte mais uma relação conflituosa, demora um tempo até seu violão afinar, até suas intenções se tornarem honestas e arte ter valor em si mesma, não mais em um meio de comer a gostosinha.

Tive uma empatia instantânea com o filme, pois ele retrata a adolescência que eu experimentei. Estudei em um colégio igual a aquele, com tipos similares, festas, dores e alegrias exatamente iguais. Eu odiava o meu colégio, na verdade, foi toda uma experiência problemática e, no entanto, extremamente produtiva. Se eu sofria era justamente porque nunca permiti que regras sociais infundadas definissem minhas escolhas, meu caráter, sofria em defesa da minha liberdade.

 As Melhores Coisas do Mundo expõe isto, existem diversos caminhos, escolher o seu é sempre o mais doloroso. O final nos contempla com um belo compromisso com a realidade e a fuga dos clichês. Eles, os jovens que vão contra a ordem da escola, não vencem, não conseguem impor mudanças. Ainda bem, não ganhamos nenhuma lição de superação e vitória, pois isso também não cabe na realidade, nela as vitórias são minúsculas, baseiam-se em nossas escolhas. Aprendemos que não se trata de uma luta onde se está porque ambiciona-se a vitória, é uma luta que se justifica por si mesma, é uma forma de se viver. O que temos como consolo é isto, nossa paz de espírito, a segurança em nossas ações, nosso caráter e, claro, o amor, as risadas e a convivência que harmonizam e dão sentido ao caos.

Vão ao cinema!

Taís Bravo

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Rope: Festim Diabólico

Rope, Festim Diabólico, é um filme de Hitchcock no qual os assassinos e toda a trama já nos são revelados desde o princípio, contudo, há uma tensão que nos hipnotiza do início ao fim. Tratando-se de uma história baseada em fatos reais, Rope é chocante. Chocante pela frieza dos homens, pelo poder (às vezes maligno) de algumas idéias e pelo fato de ser totalmente relevante nos dias atuais. Se já nos exasperamos com casos de assassinatos justificados por causas passionais (ciúmes, viganças…), assassinos que matam pelo prazer de matar e assumem esse prazer é de fato algo absurdo, inaceitável e desumano.Porém, esses sentimentos existem – e Hitchcock, mais uma vez, adora os esfregar na nossa cara.

 

Rope tem uma energia sombria, mais sombria do que costumo sentir nos filmes de Hitch. Porque Rope é verdadeiro, as frases absurdamente frias e mórbidas disparadas por Brandon são reais, mais reais do que a trama cheia de reviravoltas de Um Corpo que cai, Os pássaros e Psicose. Talvez o que torne Rope interessante é justamente essa tensão. O que ocorre é uma história absurda, um assassinato motivado por causas abomináveis (não que eu ache que exista alguma causa digna para este tipo de ato) e que, no entanto, relevante na história da humanidade. Assassinos inexplicavelmente frios sempre existiram. É por isso que Rope nos perturba, pois nos faz sentir um poder sombrio nos homens e em suas ações e idéias e, de repente, o que nos enoja em Brandon e Phillip, está em nós, está na vida e nos dá um medo, um medo real que persiste mesmo quando o filme se termina.

 É uma trama não só extremamente verossímil como também filosófica, utilizando idéias Nietzschinianas, principalmente o conceito de super-homem. Através dessas idéias, Hitchcock levanta a questão da moral. Demonstra o quão vazia de fundamentos e, portanto, passível de desconstrução qualquer moral pode ser, mas frisando a necessidade da existência de uma moral, respeitando os princípios universais inerentes a sobrevivência dos seres humanos. Por mais que um homem deva valorizar sua individualidade e procurar ser livre, deve compreender que há limitações. Em nome de sua própria liberdade o homem precisa respeitar a liberdade alheia. A partir deste princípio, qualquer possibilidade de julgamento entre os homens é problematizada, afinal o que torna um homem superior a outro homem? Existe uma superioridade?

 Brandon acredita-se superior porque é capaz de questionar a moral, mas tal idéia é falsa, porque seu ego é tão elevado que o cega. A moral que constrói, contra a moral dogmática e mesquinha defendida socialmente, é carregada de uma falsa sabedoria e superestimação, tornando-se tão infundada e pobre quanto a sua rival.

 O que Brandon é incapaz de compreender é que  por toda moral ser passível de desconstrução, não se encontra a verdade absoluta, homens não são juízes, não são capazes de estabelecer o que é melhor para todos os seres humanos, justamente por isso, deve-se libertar individualmente – pela invalidez de uma moral generalizante.

piadistas

 Rope também alfineta, por bem ou por mal, o mundo das idéias, os homens acadêmicos que só enxergam a vida racionalmente. Esta questão gira em torno do “herói” da trama, o professor que ao ver suas idéias sendo fundamento para atos perversos muda seus conceitos e perspectivas. O problema é que o poder de algumas idéias são tão fortes que seus “criadores” são incapazes de controlar o rumo que irão tomar, podem ser mal interpretadas e mal utilizadas, transformando-se em ações contrárias ao que pretendiam. Nietzsche e o nazismo, o professor e seus alunos.

“Perhabs what is called “civilization” is hypocrisy.”*

Essa frase poderia ser um resumo sobre o que se trata a obra de Hitchcock. Em seus filmes somos obrigados a enxergar o horror que há em todos os homens e o quanto a civilização, de maneira hipócrita, trabalha para os reprimir e esconder (utilizando-os a seu favor, na guerra, nas competições e alienações permitidas dentro do capitalismo…), mas nunca contribuindo para a superação desses instintos obscuros.

 Assim, ainda acho que Hitchcock está do lado dos assassinos até certo ponto. Porque por mais que suas concepções sejam desumanas, há neles uma coragem, uma postura diante a vida que se destaca de toda a existência absolutamente mediana e entediante dos outros personagens. Porém, se em A Sombra de uma dúvida, todos são igualmente mesquinhos e ninguém se salva, em Rope encontra-se um meio termo, um ser humano mais louvável que a maioria, o professor Rupert. Ele é o personagem que nos traz uma certa luz, pois demonstra que é possível estar desperto da hipocrisia e da alienação sem ser um louco psicótico, ou seja, possuir consciência e espírito crítico conservando o bom senso ( permita-me esse caminho, senhor, amém).

*Talvez o que se seja chamado de civilização seja hipocrisia.

Taís Bravo

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Spellbound: Quando fala o coração


Difícil fugir do clichê quando se escreve sobre Alfred Hitchcock. Me rendo: Gênio.

Dentre muitos outros diretores-autores, Hitchcock se destaca não só por ter uma genialidade técnica óbvia, mas também por tratar dos mais diversos assuntos dentro de uma trama de suspense. O diretor sabia exatamente como prender o espectador a suas cenas e, no final das contas, dizer muito mais que quem é o vilão. Spellbound – ou, se preferirem, a terrível tradução “Quando fala o coração” – talvez seja o filme mais psicológico do mestre.

Realizado em 1945, esse é um dos primeiros filmes onde a psicanálise tem um papel de destaque, ao ponto de, logo no início, um pequeno texto declarar a crença absoluta nos resultados da psicanálise como tratamento. Em seguida o espectador é transportado para o ambiente de Green Manors, uma clínica para doentes mentais onde se passa a primeira parte do filme. É nesse espaço que a doutora Constance Petersen (Ingrid Bergman) é apresentada ao público.

Constance Petersen é uma personagem interessante, apesar de um tanto quanto caricata. A doutora Petersen é a perfeita mulher moderna: centrada em si e em suas vontades, com uma visão sobre os relacionamentos amorosos totalmente contrastante àquela formulada pela subjetividade tradicional. A personagem de Ingrid Bergman mais do que tudo acredita no seu trabalho e nos ensinamentos da faculdade e mostra verdadeiro repúdio pelo discurso dos poetas numa das cenas mais marcantes do filme – por criarem um amor “cinematográfico/literário”, Constance diz que “o pior mal feito à humanidade foi feito pelos poetas”, ao mesmo tempo em que começa seu romance com John Ballantine/J.B. (Gregory Peck).

A entrada de J.B. na vida de Constance é o que impulsiona o suspense. J.B. chega a Green Manors acreditando ser o doutor Anthony Edwardes, substituto do doutor Murchison (Leo G. Carroll) na direção do sanatório. No entanto, a verdade é que J.B. perdeu a memória. Com a descoberta da farsa e o relato do desaparecimento de Edwardes, J.B. é acusado de ser o assassino daquele que fingia ser e por isso é obrigado a fugir. A doutora Petersen se recusa a acreditar na acusação e segue o homem pelo qual está apaixonada com a intenção de ajudá-lo a recuperar a memória e desvendar o crime.

Sob essas circunstâncias, o casal protagonista chega à casa de Alexander Brulov, antigo professor da Dra. Petersen. É aí que o personagem ocupa o vácuo racional deixado pela nova atitude apaixonada da personagem de Bergman. Brulov insiste em destacar a irresponsabilidade da ex-aluna por estar viajando com um paciente instável, mas ainda assim acolhe o casal e tenta ajudá-los. Entre as sessões de psicanálise promovidas na busca pela verdadeira identidade de J.B., está aquela da descrição de um dos sonhos desse personagem. Essa talvez seja a cena mais famosa do filme, inspirada em quadros de Salvador Dalí. Em preto e branco e belíssima.

Existem milhões de pequenas coisas a serem comentadas sobre esse fantástico filme, sem dúvida um dos melhores de Hitchcock. Dos aspectos técnicos aos discursos mais variados que surgem nas “entrelinhas” do filme, Spellbound é, na minha opinião, uma obra-prima para ser vista muitas e muitas vezes – com direito a se impressionar e nervosamente roer as unhas cada vez. Efeito colateral ao se contemplar um Hitchcock.

Natasha Ísis

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A Sombra de uma dúvida e as pessoas da sala de jantar

(Escrever sobre Hitchcock é um spoiler. Não leia se não viu o filme.)

Hitchcock é sagaz.

Seus filmes carregados de um suspense absurdamente inteligente são eletrizantes e conseguem unir o choque, o medo e a expectativa – sensações muito mais relevantes no campo no entretenimento – a fortes questões éticas e filosóficas, sendo assim grandes fontes de reflexão. Além disso, a obra de Hitchcock se impõe como arte pela sua perfeição técnica (que nada tem a ver com meros efeitos especiais e sangues e lutinhas à lá Tarantino ou Avatar – falo mal sem ver, assumo) e a sua incontestável autoridade. Contudo, sua sagacidade atinge o ápice através da ironia perfeitamente executada: o público que ama seus filmes, é o público que Hitch critica e ridiculariza ferozmente – graças a sua requintada discrição, digna de um psicótico.

Em A Sombra de uma Dúvida, (Shadow of a doubt) Hitchcock avacalha a sociedade americana e seu ideal de família e heroísmo no início ao fim, sem contudo, a negar um final feliz para toda a eternidade. Sagaz, sagaz.

A história centra-se em dois personagens, Charlie e Charlie, tio e sobrinha. O primeiro Charlie que aparece está deitado na cama, o ambiente, a trilha sonora e o fato de ser um filme de Hitchcock, já nós fazem suspeitar de sua imagem. Charlie, a sobrinha, em sua primeira aparição encontra-se em posição idêntica ao tio – demonstrando o elo entre os personagens, que perpassa o nome. Esta primeira aparição de Charlie, a sobrinha, é impactante, logo de cara, ela nos dá um esplêndido diálogo sobre o quão trivial e vazia é a vida da família (americana) e o quanto isso a perturba:

 “Já parou para pensar que uma família deveria ser uma coisa maravilhosa? E que esta família está um marasmo?… Estamos apenas sobrevivendo e nada acontece. Uma monotonia. Há meses que penso nisso. Qual será o nosso futuro?… Comemos, dormimos e isso é tudo. Nem mesmo conversamos sobre as coisas sérias. Apenas falamos.”

 Após apresentar, de maneira tão natural e convincente, uma questão existencial profunda como esta, esperamos que Charlie se levantasse da cama e fosse viver com os Hippies em São Francisco, certo? (eu sei, eu sei, o filme é de 1942, mas é um anacronismo relevante, convenhamos) Charlie, para nossa frustração, cede a um niilismo e diz que não fará nada, só um milagre irá a salvar (milagre? Milagre após todo esse discurso? Milagre em um filme de Hitchcock? Lá vem…).

E vem mesmo. O tal milagre que irá sacudir – palavras da própria Charlie – a tediosa vida familiar chega, é Charlie, o tio. Até o momento em que Charlie chega na cidadezinha de Santa Bárbara, temos todos os motivos para suspeitarmos de seu caráter. E isso é uma das coisas geniais de Hitchcock, quase sempre está na cara quem é o mau elemento da trama, mas muitas vezes ficamos em dúvida, esperando que algo fantástico nos surpreenda e o vilão seja outro (e sempre nos surpreendemos mesmo que o vilão seja o que sempre soubemos) e mesmo quando é óbvio quem é o assassino a tensão não se dissolve, o suspense não se cessa.

Pois bem, Charlie, o tio, chega e nós já sabemos que ele é encrenca. Mas Charlie, a sobrinha, é completamente devota ao tio – de uma forma até meio bizarra – diz, inclusive, que eles são iguais, são gêmeos e que o entende, sabe que ele tem um segredo (e diz de forma que nos dá a impressão que ela também tem um) e que o irá descobrir.

Ao longo da trama torna-se explícita a estranha conexão entre Charlie e Charlie, como um jogo de sombras – justificando o título. Charlie, a sobrinha, desempenha o papel da típica moça de família, “the girl next door”, carrega assim certo ar de heroína – característica recorrente na sociedade americana, na qual homens e mulheres que cumprem seus papéis familiares de forma exemplar, seguindo estritamente a moral adequada, são exaltados como heróis. Charlie, o tio, atua como a sombra de Charlie, ele é exatamente a ovelha negra da família, no entanto, ainda belamente disfarçado sobre uma refinada pele de cordeiro.

É Charlie, a sobrinha, quem descobre a sombria identidade do tio. Com tal descoberta seu mundo rui, pois, veja bem, Charlie era seu gêmeo, seu exemplo, eram um ser fantástico e instigante que ela não só admirava, como tinha como semelhante. Charlie, sua sombra, transforma-se assim em uma aberração, um atentado à família, à moral e à humanidade. É o horror, a decepção máxima.

A situação é ainda mais trágica, pois a admirável Charlie é uma heroína que apesar de suas reclamações, dedica-se a família. Imagine o quão terrível seria contar a sua própria mãe que seu irmão não passa de um assassino frio e doentio que nem ao remorso se dá a dignidade de sofrer.

Contudo, em meio a todo esse horror, Charlie encontra um homem, um homem comum, um detetive policial – vejam só que profissão honrada, digna de um homem-herói – que a princípio se apresenta sob o disfarce de um pesquisador que deseja entrevistar a família de Charlie por essa ser um exemplo perfeito da típica família americana. Charlie diz não gostar de ser vista como uma garota típica, normal – ela se considera especial – mas mesmo assim aceita o convite para jantar com o pesquisador que irá mais tarde descobrir ser o detetive a procura de seu querido tio Charlie.

No final, o assassino, o psicótico, a anomalia em meio à ordem, tem o final que a platéia considera como o merecido, a morte. Esses seres nunca saem impunes nas histórias de Hitchcock, no entanto, não importa o castigo que recebem, é inevitável, poluem a incontestável beleza de uma sociedade civilizada com o fel que escorre de suas almas perturbadas.

Para os espectadores atentos, é impossível fugir a pergunta: Por quê? Por que este homem fez isso? O que cria atos tão brutais e desumanos?

E o pior, de alguma forma, esses personagens problemáticos carregam em si alguma verdade, há em seus modos frios e olhares distantes um realismo que parece mais honesto e desperto do que as convicções cegas das mocinhas. É inegável que em A Sombra de uma Dúvida, por mais terrível que Charlie, o tio, seja é ele quem dá a lição de moral. Quanto à Charlie, ela encontra o seu final, a tragédia se dá, mas a liberta e, então, pode enfim, resolver a tal dúvida – que existe quase inconscientemente- e se assume como a garota normal a um passo do casamento com um homem normal, dando continuidade ao marasmo e as costas ao horror.

 Taís Bravo

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A Hitchcock, com carinho

Advertência: Esse é um texto altamente tendencioso. Esteja avisado.

Ah, e contém spoilers!

 Se você gosta de cinema, tem a obrigação de ver Hitchcock.

Alfred Hitchcock é um dos grandes. E uso o verbo no presente porque seus filmes continuam a maravilhosamente aturdir plateias até hoje. (Exemplo disso foi o fato involuntário da autora do presente texto ter simplesmente gritado de nervosismo durante uma exibição de Janela Indiscreta no meio de uma aula da faculdade. E devo acrescentar que não fui a única.)

O ponto primordial da obra dele (pelo menos para mim) é o seu conhecimento da psique. Como transportar, atordoar e eletrizar o espectador? Junte ótimos atores (atenção para os olhos, é uma aula de atuação em tempos mecanizados), um gênio da trilha sonora (Bernard Herrmann, com seu compasso de espera e “música para o inconsciente”) e todos os artifícios que o cinema pode oferecer.   A profundidade de campo é usada com maestria em Festim Diabólico, na cena em que o personagem atravessa o apartamento, acompanhado pelo sofredor (ops, espectador) na lentidão do seu andar até a cozinha (esse filme pode ser inclusive considerado emblemático: quer ilusão maior do que fazer um filme parecer ser um único plano-sequência quando não o é?).  A construção dos roteiros é de prender no sofá (afinal, você infelizmente está assistindo em casa). A psicologia é usada tanto na relação espectador-obra quanto no desenrolar da história. Os pequenos erros humanos é que denunciam os personagens. Tony Wendice (Ray Milland em Disque M para Matar) é pego forjando provas perfeitas demais contra sua esposa. Judy Barton (Kim Novak em Um Corpo que Cai) se distrai e usa o colar que não deveria possuir. Por outro lado, é o voyeurismo inevitável de L.B. Jeffries (James Stewart) que cria, sustenta e finaliza a trama de Janela Indiscreta.

E como um dos grandes diretores da “mesmice industrial e consagrada” de Hollywood conseguiu ser admirado por Truffault e toda a galera do Cahiers du Cinema? Porque Hitchcock era grandioso, mas simples, trabalhava com recursos básicos do cinema. Fazia filmes para o público dos Estados Unidos, mas que desafiavam a moral da época. Psicose começa com Marion Crane (Janet Leigh) se encontrando num quarto de hotel com seu namorado, no horário de almoço, em plenos anos 60! E Spellbound foi transgressor: além de seu enredo se basear diretamente na psicanálise (em 1945), também teve o apoio de Salvador Dalí na concepção do sonho de John Ballantine (Gregory Peck).   O mesmo artista surrealista dos relógios distorcidos e parceiro de Buñuel em “O Cão Andaluz” contribuiu num filme de Hitchcock.

O “Mestre do Suspense”  transformou o cinema de autor, colocando na direção sua marca registrada. Hitchcock combinava inúmeros elementos e gerava um filme absolutamente arrebatador. Em sua filmografia, um paradoxo é que o espectador é passivo e também ativo. A narrativa é construída de tal maneira que, ao mesmo tempo em que você é conduzido a um único desfecho possível, você sofre por saber ou supor saber o que virá a seguir. A tendência é (vide meu susto descrito no segundo parágrafo) achar que sempre dará errado. Tudo acontece diante de seus olhos e você não tem o menor poder sobre isso. Quem nunca tentou segurar a mão de  James Stewart no final de Janela Indiscreta? O mesmo vale para Ladrão de Casaca, com Cary Grant. E em Festim Diabólico, o drama da corda que cisma em aparecer? Pobre coraçãozinho, isso sim.

 E é assim: aprendendo, sofrendo e admirando que devemos ver os filmes (alguns bem sucedidos, outros nem tanto) de Sir Alfred Joseph Hitchcock.

 PS: Viro fã de quem tiver conseguido reconhecê-lo em todas as vezes que aparece como figurante (outra característica típica do mestre).

Escrito por Ilana Goldfeld 

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Hitchcock

“Ele é o homem por quem gostamos de nos saber odiados.”

(Truffaut sobre Hitchcock e Janela Indiscreta)

Essa semana no Pulei pela Janela textos sobre Hitchcock e sua incrível obra. Contanto com a colaboração especial de Ilana Goldfled (@ilana_gold).

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Mostra Eric Rohmer

 

  A caixa Cultural oferece mais uma mostra envolvendo o cinema francês e a Nouvelle Vague, dessa vez o cineasta é Eric Rohmer.  A mostra que se inicia terça, dia 30 de março,  22 longas do dirertor e 4 curtas.

Eric Rohmer que faleceu em janeiro deste ano, foi professor de letras e começou a escrever sobre cinema em veículos como Gazzete du Cinéma e posteriormente Cahiers du Cinéma, revista que será editor a partir de 1957.

Confesso que não vi nenhum dos filmes de Rohmer, não que não tenha tentado, mas o acesso a eles é bastante difícil ( e se vocês ainda não sabem, sou uma negação para tecnologia e não sei baixar filmes). Então, gostaria de pedir ajuda de vocês leitores: Digam-me ,qual filme da mostra eu não posso perder?

A programação segue abaixo:

CAIXA Cultural RJ – Cinemas 1 e 2

30/03 Terça
14h30 – O signo do leão (1959) (35mm) 102’.14 anos
16h30 – A Padeira do Bairro (1962) (35mm) 23’+ A Carreira de Suzanne(1963)(35mm) 54’. 16 anos.
18h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos.

31/03 Quarta
14h30 – A Colecionadora (1967) (35mm) 89’. 14 anos.
16h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.
18h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.

01/04 Quinta
14h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
16h30 – A Marquesa d´O (1976)  (35mm) 100’. 14 anos.
18h30 – A mulher do Aviador (1980) (35mm) 106’. 14 anos.

02/04 Sexta
14h30 – Um Casamento Perfeito (1982) (35mm) 100’. 14 anos.
16h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
18h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.

03/04 Sábado
14h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
16h30 – O Amigo da Minha Amiga (1987) (35mm) 103’. 12 anos.
18h30 – As 4 aventuras de Reinette e Mirabelle (1987) (35mm) 99’. 14 anos.

04/04 Domingo
14h30 – Conto da Primavera (1990) (35mm) 112’. 12 anos.
16h30 – Conto de inverno (1991) (35mm) 114’. 14 anos.

06/04 Terça
14h30 – A Fábrica do Conto de Verão. Doc. (Direção: Jean-André Fieschi, 2005) (DVD) 90’ + Charlotte e seu bife (1951) (DVD)12’ + Nadja em Paris (1964) (DVD) 13’. 14 anos.
16h30 – Conto de verão (1996) (35mm) 113’. 12 anos.
18h30 – Conto de Outono (1998) (35mm) 112’. 12 anos.

07/04 Quarta
14h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.
16h30 – A Árvore, o Prefeito e a Mediateca (1993) (35mm) 105’. 14 anos.
18h30 – A inglesa e o Duque (2001) (35mm) 125’. 14 anos.

08/04 Quinta
14h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.
16h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
18h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.

09/04 Sexta
14h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos
16h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.
18h30 – Os Amores de Astrée e de Céladon (2007) (DVD) 109’. 16 anos.

10/04 Sábado
14h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
16h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
18h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.

11/04 Domingo
14h30 – A Marquesa d´O (1976)  (35mm)

100’. 14 anos.

16h30 – A inglesa e o Duque (2001) (35mm) 125’. 14 anos.

  

CAIXA Cultural RJ – Cinemas 1 e 2

30/03 Terça
14h30 – O signo do leão (1959) (35mm) 102’.14 anos
16h30 – A Padeira do Bairro (1962) (35mm) 23’+ A Carreira de Suzanne(1963)(35mm) 54’. 16 anos.
18h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos.

31/03 Quarta
14h30 – A Colecionadora (1967) (35mm) 89’. 14 anos.
16h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.
18h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.

01/04 Quinta
14h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
16h30 – A Marquesa d´O (1976)  (35mm) 100’. 14 anos.
18h30 – A mulher do Aviador (1980) (35mm) 106’. 14 anos.

02/04 Sexta
14h30 – Um Casamento Perfeito (1982) (35mm) 100’. 14 anos.
16h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
18h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.

03/04 Sábado
14h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
16h30 – O Amigo da Minha Amiga (1987) (35mm) 103’. 12 anos.
18h30 – As 4 aventuras de Reinette e Mirabelle (1987) (35mm) 99’. 14 anos.

04/04 Domingo
14h30 – Conto da Primavera (1990) (35mm) 112’. 12 anos.
16h30 – Conto de inverno (1991) (35mm) 114’. 14 anos.

06/04 Terça
14h30 – A Fábrica do Conto de Verão. Doc. (Direção: Jean-André Fieschi, 2005) (DVD) 90’ + Charlotte e seu bife (1951) (DVD)12’ + Nadja em Paris (1964) (DVD) 13’. 14 anos.
16h30 – Conto de verão (1996) (35mm) 113’. 12 anos.
18h30 – Conto de Outono (1998) (35mm) 112’. 12 anos.

07/04 Quarta
14h30 – O joelho de Claire (1970) (35mm) 105’. 14 anos.
16h30 – A Árvore, o Prefeito e a Mediateca (1993) (35mm) 105’. 14 anos.
18h30 – A inglesa e o Duque (2001) (35mm) 125’. 14 anos.

08/04 Quinta
14h30 – Noites da Lua Cheia (1984) (35mm) 102’. 12 anos.
16h30 – O Raio Verde (1986) (35mm) 98’. 12 anos.
18h30 – Minha Noite Com Ela (1969) (35mm) 85’. 16 anos.

09/04 Sexta
14h30 – Eric Rohmer, Provas de Apoio Aos 120′. Doc. (Direção: André S. Labarthe, 1994) (DVD) 120’. 14 anos
16h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.
18h30 – Os Amores de Astrée e de Céladon (2007) (DVD) 109’. 16 anos.

10/04 Sábado
14h30 – Pauline na praia (1983) (35mm) 94’. 14 anos.
16h30 – Amor à Tarde (1972) (35mm) 97’. 14 anos.
18h30 – Agente Triplo (2004) (DVD) 104’. 16 anos.

11/04 Domingo
14h30 – A Marquesa d´O (1976)  (35mm)

100’. 14 anos.

16h30 – A inglesa e o Duque (2001) (35mm) 125’. 14 anos.

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Amélie Poulain e os motivos para se viver (sendo feliz)

 

(Há um motivo para eu estar escrevendo sobre esse filme. Ando, como sempre, tendo problemas para lidar com a rotina, os horários, a pressão do futuro, as pessoas que cultuam a universidade e a “sabedoria” erudita…Felizmente, estou me tornando sagaz o suficiente para me auto-recomendar filmes e em pleno niilismo miguxo, ressurgiu a luz e fui assitir Amélie, mais uma vez.)

 O fabuloso destino de Amélie Poulain é um filme sobre o prazer de se estar vivo, um prazer que é construído diariamente, vencendo o tédio, os dramas e a solidão. Solidão que é uma questão essencial para o filme, Amelie é uma solitária, seu menino, Nino, também e, se pensarmos bem, todos são, mas pouco são tão assumidamente quanto eles. E os solitários são os que melhor sabem sonhar.

E é o sonho que conduz toda a trama e conduz suas cores e sons.

Por que se viver quando se é extremamente solitário? Por que se viver quando se tem uma doença que te impede até de sair de casa? (porque Amélie também é também uma história sobre o porquê de persistir vivendo)

Pelo sonho.

O sonho é um ato de criação, é um ato artístico. É preciso sonhar para se manter vivo e para se criar vida. É na sua imaginação que Amélie se recolhe nos longos anos de infância solitária, solidão que se apresenta contínua, de forma que ela mantém uma criatividade e um olhar sobre a vida que podem ser considerados infantis. Mas infantil não é uma qualidade negativa, conservar um olhar de criança é manter a mente instigada, curiosa, não propensa ao óbvio.

No entanto, um mundo de sonhos fechado em sonhos, sem algum diálogo, é um mundo de mortos, de fantasmas (isso eu aprendi com Waking Life, recomendo). Os sonhos para se inflarem de ar e assim recriarem vida, precisam voltar-se ao outro, porque “é impossível ser feliz sozinho”, é clichê, contudo é recorrente. O sonho que nunca é exteriorizado ou compartilhado causa angústia, instiga o vazio.

Dessa forma, Amélie volta seu olhar fantástico ao outro, percebe o quão imenso é o mundo em suas diferenças individuais e seus destinos construídos por atos minúsculos e como solução para a angústia que maltratava seus sonhos, encontra um sentido: Transformar sua vida, interferindo na vida alheia para proporcionar emoção e felizes encontros. Assim, constrói-se como heroína, Amélie, uma verdadeira justiceira em defesa dos oprimidos e de seus pequenos prazeres.

 Mas mesmo contribuindo para a felicidade alheia, Amélie ainda é sozinha, ainda prefere resguardar sua própria vida em sonhos para ninguém ver. Um desses sonhos é Nino, o menino que sem saber exatamente porquê, Amelie sente como alguém parecido com ela. Amélie receia se aproximar de Nino – o medo faz parte do prazer que só quem já teve uma paixão platônica entende – medo de perder um ser todo inventado por você, ou seja, perfeito, que lhe cede horas e horas dos mais adoráveis sonhos. No entanto, Nino existe, mesmo que não tão perfeito, mas toda imperfeição pode ser recompensada pelo fato de se poder viver os sonhos. Particularmente, acho que a história de Nino e Amélie nem é o mais importante do filme, no entanto não deixo de achá-la linda e me encanto sempre que ouço o seguinte diálogo – que para mim é a melhor definição do que é amor a primeira vista (coisa que acredito apaixonadamente):

 

– Nem a conheço.

– Claro que conhece

– Desde quando?

– Desde sempre…Em seus sonhos.

Em sua trajetória, Amélie nos presenteia com cores, sonhos e a moral de uma vida recheada de aromas, encantos e supostas impossibilidades a um passo de serem revelados.

Taís Bravo

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